COVID-19 – REPERCUSSÕES JURÍDICAS NOS CONTRATOS ESCOLARES

COVID-19

Última atualização em 08/04/2020, às 11h40min

Como é de conhecimento geral, para fins de combater o avanço da pandemia da COVID-19, os Poderes Públicos editaram uma série de decretos normativos, os quais restringem (ou mesmo suspendem) atividades que envolvam a aglomeração de pessoas – dentre as quais, as atividades escolares.

Ainda conforme relatado pelas autoridades sanitárias, a suspensão das atividades escolares possui especial importância no combate à pandemia, uma vez que as crianças, por apresentarem reações tímidas à infecção (a maioria parece não desenvolver quaisquer sintomas), tornam-se um “vetor perfeito” da doença, notadamente no seio familiar – que, não raro, é composto de avôs e avós com idade já avançada, além de outros indivíduos afetados por comorbidades que os deixam mais vulneráveis ao desenvolvimento de quadros graves.

Independentemente da justificativa apresentada pelos agentes públicos (cuja compreensão científica não é de todo conforme, ainda sendo recebida com desconfiança por uma parcela da sociedade), fato é que, dentre todas as atividades econômicas, as escolas parecem ser um dos setores mais visados pelas restrições impostas, não havendo, até o momento, qualquer estimativa para a sua normalização.

Ainda mais grave, com a edição da Medida Provisória n.º 934, o governo federal permitiu que os estabelecimentos de ensino de educação básica e superior terminem o ano de 2020 com menos dias letivos do que aqueles exigidos por lei – ainda que imponha, pelo menos às instituições de educação básica, o cumprimento da carga horária mínima anual determinada pela legislação (oitocentas horas)

Diante desse quadro, é natural que surja a seguinte indagação: considerando que as aulas escolares estão suspensas, sem data para o retorno e nem garantia de reposição integral, seria justa a manutenção do pagamento das mensalidades?

A resposta – que, a princípio, pode parecer simples – guarda inegável complexidade quando se tem em mente o período de excepcionalidade atual, merecendo, portanto, ser precedida de algumas considerações.

Em primeiro lugar, é preciso se atentar que a suspensão das aulas não foi determinada diretamente (e nem indiretamente) pelas instituições de ensino, sendo resultante de fato absolutamente imprevisível, cujos efeitos não lhes era possível evitar ou impedir. Desta sorte, o fato que ocasionou a suspensão do período letivo poderia, pelo menos em tese, ser considerado como “caso fortuito” ou de “força maior”, instituto do Direito Civil que permite a isenção de responsabilidade do contratante pelos prejuízos decorrentes de eventual descumprimento do acordo, quando ocorrido em períodos de (notória) anormalidade (vide o conteúdo do nosso Informativo n.º 4).

Por outro lado, em se tratando de Direito do Consumidor (e o contrato de ensino traduz típica relação de consumo), há quem entenda que, por assumir os riscos do negócio, os fornecedores dos serviços educacionais não poderiam justificar o descumprimento do contrato sob a alegação de “caso fortuito” ou de “força maior”, sendo considerada objetiva a sua responsabilidade, o que significa dizer que essa responsabilidade somente poderá ser afastada caso as escolas consigam comprovar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro – o que, por evidente, não se verificaria no caso em apreço.

E há, ainda, a possível aplicação do inciso V do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual são direitos básicos do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Aqui, é válido relembrar que os contratos de consumo são protegidos pelo Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), órgão administrativo controlado pelo Ministério Público que, no âmbito de Minas Gerais, editou a Nota Técnica n.º 01/2020, a qual, dentre outros pontos, deliberou que as instituições privadas de educação básica deveriam conceder aos consumidores descontos mínimos no valor das mensalidades. Com a devida vênia, não concordamos com tal imposição.

Ora, não se pode olvidar que cada instituição de ensino possui estrutura e particularidades próprias, o que lhes confere, por conseguinte, realidades financeiras completamente diversas. Vale dizer, o Estado não deve ingerir nos contratos particulares sem, antes, conhecer as especificidades de cada um dos signatários, sob pena de se inverter o equilíbrio contratual e, com isso, o próprio caráter protetivo da medida – note-se que a quebra de uma dada instituição de ensino poderia representar, na prática, a perda do ano letivo dos alunos nela matriculados.

Como reação à referida Nota Técnica, o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (SINEP/MG) emitiu uma “carta aberta” direcionada às escolas, pela qual, em linhas gerais, repudiou a “determinação” do PROCON, orientando os diretores a se utilizarem de meios alternativos de ministração das aulas (pelo modo virtual) como forma de manutenção dos preços das mensalidades – o que também não podemos concordar, haja vista que haveria, nessa hipótese, a modificação da forma de prestação do serviço, o que não poderia ser imposto ao consumidor sem a sua expressa anuência.

Desta sorte, e considerando as conflitantes teorias e justificativas passíveis de serem invocadas, é seguro dizer que a solução a ser dada à interrupção dos contratos escolares, caso não se encontre um caminho de meio, ainda será amplamente debatida e construída pelos Tribunais, não havendo, por ora, espaço – e nem garantia – para o exercício desmedido de supostas razões.

Vale dizer, o momento atual é de incerteza e de insegurança, e, para a garantia da paz necessária à transposição do período, será necessária a compreensão e solidarização de todos os envolvidos. Assim, para que possamos combater a crise, é de suma importância que as pessoas e os empresários se conscientizem de que as perdas serão, sim, drásticas e inevitáveis – mas podem muito bem ser absorvidas, desde que compartilhadas.

Aqui, não se pode negar que, a despeito de as aulas terem sido suspensas pelos poderes públicos por prazo  indeterminado (até então), as escolas ainda precisarão manter o fluxo de recebimentos necessário ao pagamento de suas despesas e obrigações do período – que, por certo, não estarão suspensas –, notadamente as relativas a funcionários, fornecedores, aluguéis etc.

Lado outro, também não se pode descuidar que a maior parte da população já está sendo duramente atingida pela crise, seja pela redução proporcional dos salários ou suspensão (ou mesmo extinção) dos contratos de trabalho, seja pela interrupção das atividades comerciais e industriais, o que representa, decerto, severa redução na renda mensal dessas pessoas.

Há ainda de se considerar que as escolas (tais como os empresários, em grande parcela) poderão se utilizar das medidas compensatórias oferecidas pelo governo federal, especialmente nos campos trabalhista e fiscal; e mais, com a paralisação das atividades, as escolas também poderão se valer de redução de algumas despesas correntes, tais como energia elétrica, água, materiais de limpeza, vale transporte de funcionários, dentre outras, o que permitirá – e isso é inegável – um remanejamento de uma parcela de seu fluxo de caixa, e, consequentemente, a repactuação dos contratos em andamento.

Com tantas alternativas (ainda que imperfeitas e insuficientes) de redução de custos e de redução de impactos financeiros imediatos, as instituições de ensino haverão de abrir diálogo com os contratantes, no lugar de se fecharem em seu individualismo estéril – ignorando a iminente catástrofe econômica – na tentativa vã de manter a normalidade e, até mesmo, a margem de lucro de seus negócios.

Atentos a esse intuito, alguns colégios particulares de Belo Horizonte já anteciparam a medida e, antes mesmo de serem provocados, já ofereceram aos pais programas de descontos que variam de 30% (para alunos a partir dos 04 anos de idade) a 80% (crianças de 0 a 3 anos e 11 meses) dos valores das mensalidades, mantendo, assim, não só a admiração dos pais e alunos, mas também as suas próprias matrículas.

Outros, no entanto, optaram pelo silêncio ou preferiram elevar o nível da discussão para um embate direto, e, valendo-se de circulares recheadas de inflexibilidade e de certos destemores, estão prestes a convencer os pais a se amotinarem em uma campanha dirigida abertamente para uma debandada geral.

Posto isso, é preciso voltar à indagação proposta inicialmente: “considerando que as aulas escolares estão suspensas, sem data para o retorno e nem garantia de reposição integral, seria justa a manutenção do pagamento das mensalidades”?

Ao nosso sentir, sim. A manutenção das mensalidades não só é justa, como também lícita, uma vez que, a despeito da suspensão das aulas – e conforme trabalhado em linhas pretéritas –, as escolas ainda arcarão, no período de inatividade, com a boa parte dos custos da operação, o que inclui gastos imprescindíveis com empregados, professores etc., que não têm relação e nem podem ser prejudicados com o conflito contratual.

Entrementes, e como também já esclarecido, somos categoricamente favoráveis à revisão dos contratos de ensino, de modo a contemplar não somente o interesse das escolas e de seus colaboradores, mas também o dos pais, que, como agentes da economia, foram, da mesma forma, direta e duramente atingidos pelas medidas de contenção da pandemia, que vem, diariamente, impingindo-lhes expressível redução de renda.

É preciso se ter em mente, ainda, que a crise proveniente da COVID-19 não atinge financeiramente a todos indistintamente, e na mesma magnitude. Haverá, por certo, indivíduos que serão tão drasticamente prejudicados que o período representará não só a redução de seus proventos – mas, sim, a sua própria insolvência econômico-financeira, momentânea, ou não.

Assim, e somente nesses casos específicos, a solução deverá passar por uma renegociação individual, conferindo ao prejudicado, por exemplo, um período razoável de tempo para se reerguer, sem que, com isso, precise comprometer a educação e formação dos filhos.

Com efeito, e diante do contexto atual, a nossa orientação é a de que o período seja utilizado para uma reflexão pessoal das partes envolvidas (pais, alunos e instituições de ensino), e também de toda a sociedade, que deve se conscientizar de que não existe uma sobrevivência individual – mas somente a coletiva. Vale dizer, em uma economia que se move por setores umbilicalmente interligados, a preservação do outro lado da cadeia negocial representa, em grande parte, a nossa própria preservação. E só assim será possível superar a crise.

Para maiores informações, entre em contato conosco por qualquer de nossos canais de comunicação.

EQUIPE SIMAS DE FARIA, NOSSE, BESSA & FERNANDES SOCIEDADE DE ADVOGADOS

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